O duplo discurso do luxo “consciente”

Quando a sustentabilidade vira estratégia de marketing

Nas vitrines reluzentes das grifes de luxo, uma nova narrativa domina as coleções: “moda sustentável”, “produção ética” e “carbono neutro”. No entanto, por trás do verniz verde, mantém-se intacta uma lógica de produção que contradiz o discurso ecológico — e o consumidor de alto padrão, ávido por aliar status a virtude, parece disposto a aceitar a contradição.

O abismo entre discurso e prática

O estudo BCG x Altagamma (2023) revela que 85% das marcas de luxo já possuem uma “linha sustentável”, mas apenas 12% integraram de fato critérios ambientais em seu core business. A produção continua massiva, os ciclos de lançamento acelerados e o apelo ao consumo, voraz.

Enquanto isso, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente alerta: a indústria da moda como um todo é responsável por 8-10% das emissões globais de carbono — mais que voos internacionais e transporte marítimo combinados.

Greenwashing como estratégia

O relatório “The State of Fashion 2024” da Business of Fashion e McKinsey expõe táticas comuns:

  • Coleções-cápsula sustentáveis que representam menos de 5% do volume de negócios, mas recebem 70% do investimento em marketing
  • Certificados de carbono neutro obtidos por compensação duvidosa, sem redução real de emissões
  • Peças “upcycled” com sobrepreço de 200-400%, enquanto a produção convencional segue inalterada

O perfil do consumidor que acredita — ou ignora

Segundo a BCG, 7 em cada 10 consumidores de luxo dizem valorizar a sustentabilidade, mas apenas 2 em 10 verificam as práticas das marcas. A conclusão: o “consumo consciente” no alto padrão é, muitas vezes, uma camada a mais de distinção social, não uma mudança de comportamento.

Luxo e sustentabilidade: uma convivência possível?

Algumas vozes no setor apontam para caminhos mais autênticos:

  • Marcas como Brunello Cucinelli investem em produção local e artesanal
  • A Chloé tornou-se uma “empresa de propósito” — mas ainda é exceção
  • A Patagéria, embora não seja luxo no sentido tradicional, mostra que é possível aliar premiunização e ética

Ainda assim, o modelo predominante é o do duplo discurso: fala-se em regeneração enquanto se mantém a produção linear; celebra-se o artesanal enquanto se escala o industrial.

Virtude se tornou um acessório de luxo

A sustentabilidade, no universo do alto padrão, parece ter se tornado mais um atributo de marketing — um acessório narrativo que embeleza sem transformar.

Enquanto o consumidor de elite buscar na sustentabilidade uma nova forma de status, e não uma real mudança de valores, as marcas continuarão vendendo virtude como vendem bolsas e sapatos: com luxo, exclusividade — e pouca substância.

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