A melhor ficção científica nunca foi sobre o futuro, mas sim sobre o presente visto através de um prisma distorcido, porém revelador. De Frank Herbert a Cixin Liu, os grandes autores do gênero têm diagnosticado, às vezes com décadas de antecedência, as contradições e destinos possíveis do capitalismo globalizado. Suas obras não são meras fantasias, mas ferramentas críticas para entender tendências reais de mercado, tecnologia e concentração de riqueza.
Duna (2021) e o capitalismo extrativista
No universo de Duna, a especiaria mélange é o recurso mais valioso do universo, controlando viagem interestelar, longevidade e poder. Quem controla Arrakis, controla o fluxo (e o preço) dessa commodity. A obra espelha dramaticamente a geopolítica do petróleo, os conflitos por terras raras e a dependência tecnológica de recursos finitos. A SPACEX, hoje, estuda a mineração de asteroides — um “Arrakis espacial” em gestação.
Blade Runner 2049 e a desvalorização humana
No filme de Denis Villeneuve, continuação do clássico Blade Runner – O Caçador de Andróides (1982), a bioengenharia criou seres descartáveis (replicantes), análogos à mão-de-obra precarizada do mundo real. A cena em que K (Ryan Gosling) descobre que sua memória afetiva é fabricada metaforiza a ilusão de valor na economia de experiência — onde até emoções são produtos. Empresas como a NEURALINK, de Elon Musk, já exploram a comercialização de interfaces cérebro-máquina, levantando questões sobre privacidade mental e humanidade transacionável.
O Problema dos Três Corpos e a corrida tecnológica desestabilizadora
Na trilogia de Cixin Liu, a humanidade, diante de uma ameaça alienígena, divide-se entre colaboração e competição autodestrutiva. É um paralelo preciso da corrida atual por IA generativa e armas autônomas, onde empresas e nações aceleram rumo a inovações potencialmente catastróficas, sem regulamentação à altura. O Relatório sobre Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial (2024) já aponta a IA como uma das maiores ameaças à estabilidade geopolítica na próxima década.
The Expanse e a luta de classes interestelar
Na série de James S. A. Corey, a humanidade dividiu-se entre terrestres, marcianos e “cinturonianos” — uma classe trabalhadora espacial explorada para extração de recursos. Esse cenário reflete a desigualdade amplificada pela expansão tecnológica: enquanto bilionários como Jeff Bezos (Blue Origin) e Richard Branson (Virgin Galactic) investem no turismo espacial, trabalhadores essenciais permanecem invisíveis na Terra.
O que aprendemos com esses espelhos distópicos?
A ficção científica nos alerta:
- A concentração extrema de recursos pode gerar novos feudalismos (Duna);
- A tecnologia sem ética pode desumanizar e explorar (Blade Runner);
- A competição desregulada pode nos cegar a ameaças maiores (Três Corpos).
E, talvez o mais importante: o futuro do capitalismo não será escrito apenas por economistas, mas por quem controlar os recursos definitivos — seja ele inteligência artificial, energia limpa ou o próprio espaço sideral.






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